-- Por Aline Ghilardi
Entende-se por Reconstituição Paleontológica a concepção artística de um ser vivo e/ou ambiente pretérito a partir de evidências fósseis. O conjunto de técnicas utilizadas para recriar essa concepção é definido como Paleoarte, e Paleoartista é o título dado ao ilustrador/escultor/desenhista especializado em paleoarte.
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A reconstituição da aparência em vida de espécies e ambientes extintos é um processo interdisciplinar, que combina a pesquisa paleontológica com atividades como a ilustração científica, a modelagem 3D e ainda a animação computacional. Os resultados são fáceis de identificar: eles recheiam os livros de paleontologia, dão vida aos museus e encantam os nossos olhos nos documentários. Mas como tudo isso é feito? No que se baseia? Deve ser considerado como arte ou ciência?
- Qual a importância tão fundamental em se recriar visualmente organismos extintos?-
Arte de Raul Martin © - copyrighted (http://www.raul-martin.net/)
A reconstituição paleontológica abrange um intrincado processo baseado em uma metodologia que requer do profissional que trabalha nessa área uma poderosa capacidade de observação somada à destreza na interpretação e síntese de dados. Por sua vez, os resultados só serão transmitidos de forma bem sucedida se a linguagem artística for bem dominada.
Para reconstruir um organismo extinto, por exemplo, não basta somente registrar os seus detalhes anatômicos. Isso é parte do processo. Para o trabalho de reconstituição ser rico, ele precisa reunir dados de todo o conjunto do animal: sua forma, postura e inclusive contexto.
Há uma infinidade de características de um ser vivo, que quando combinadas, fornecem pistas de como ele se parece, comporta e/ou relaciona com o ambiente. Para saber interpretar isso como um detetive, o paleontólogo e o paleoartista têm como subsídios diferentes ferramentas científicas. Sendo assim, não há necessidade de especulações desvairadas, existem metodologias bem fundamentadas para se chegar às reconstituições.
Mas que pistas o ‘Paleoartista’ tem? Que ferramentas o ajudam a interpretá-las?
-- Como se fazem as reconstituições?
Podem-se extrair diversas informações somente observando o esqueleto de um animal. E mesmo que este esteja incompleto, utilizando-se a anatomia comparada é possível reconstituir as partes que lhe faltam e dessa forma ter uma idéia da aparência geral do organismo com relativa precisão. O princípio básico utilizado para isso é o de que existe um padrão comum na estrutura dos vertebrados.
Estudos das peculiaridades anatômicas do esqueleto vêm ainda evidenciar detalhes da postura e locomoção dos organismos, fundamentando-se para isso em restrições físicas e princípios biomecânicos. Já a reconstituição dos músculos é feita a partir das cicatrizes de inserção desses nos ossos, e o resultado final dá volume do animal.
Considerando-se as relações filogenéticas (de parentesco), com base na taxonomia (classificação) do organismo, podem-se obter ainda pistas sobre a aparência, a fisiologia e o comportamento. Esses três, capazes também de serem recuperados do próprio registro fóssil, que excepcionalmente pode preservar detalhes tais quais, o contorno ou até mesmo a estrutura de tecidos moles, evidências de pêlos ou penas, ou ainda flagrantes de interação espantosos, como alimentação, reprodução ou mesmo combate.
Há por sua vez, também, o método de comparação com análogos modernos. Que parte do pressuposto de que é possível inferir a presença de alguns tipos de caracteres e comportamentos nos organismos extintos, por comparação com parentes viventes ou mesmo animais não relacionados, mas que tenham função ecológica semelhante.
Não podemos deixar de lembrar, que a consideração do contexto geológico e de toda a assembléia fossilífera associada (os outros fósseis encontrados no mesmo contexto) também é muito importante. Ambos fornecem dicas preciosas sobre o paleoambiente do organismo em questão – clima, vegetação, estrutura trófica, entre outros.
Como se pode notar há toda uma metodologia intrincada evolvida na reconstrução de um animal e assim se pode chegar a uma imagem muito próxima do que ele teria sido. Todavia cabe ressaltar que alguns detalhes serão sempre incógnitas. Entre esses, talvez o mais controverso seja o com relação as cores dos organismos pretéritos. Normalmente, não é possível inferir a cor de um animal a partir de seu fóssil. Temos que partir do princípio filogenético ou da comparação com equivalentes atuais. De qualquer forma, é sempre frustrante.
Como se pode notar há toda uma metodologia intrincada evolvida na reconstrução de um animal e assim se pode chegar a uma imagem muito próxima do que ele teria sido. Todavia cabe ressaltar que alguns detalhes serão sempre incógnitas. Entre esses, talvez o mais controverso seja o com relação as cores dos organismos pretéritos. Normalmente, não é possível inferir a cor de um animal a partir de seu fóssil. Temos que partir do princípio filogenético ou da comparação com equivalentes atuais. De qualquer forma, é sempre frustrante.
Pesquisas recentes, no entanto, lançaram esperanças sobre essa questão. Pelo menos quanto à coloração de penas fossilizadas... Seria possível identificar alguns padrões de cores em penas fósseis observando o formato de algumas estruturas microscópicas (melanócitos) preservadas nas mesmas. Isso foi feito com dinossauros emplumados. A possibilidade seria fabulosa, mas devemos aguardar melhores conclusões.
-- Diferentes objetivos, diferentes resultados...
A concepção artística de um ser vivo e/ou ambiente extinto pode ter diferentes finalidades: a puramente acadêmica (ferramenta nas pesquisas científicas) ou a divulgação - tanto didática (para construir um conceito sobre determinado tema), quanto para o entreterimento (em filmes, desenhos, revistas, brinquedos, etc).
Colocado dessa forma, não é difícil perceber que o objetivo final de uma reconstrução paleontológica virá a interferir significativamente no seu grau de seu rigor científico. Sendo assim, é necessário rastrear as fontes e os propósitos com criticidade, assim como fazemos com qualquer outro material de divulgação.
Ilustrações de Aline Ghilardi. Dinossauro terópode e tartaruga (Araripemys)
-- Reconstituição Paleontológica: Perspectivas e Conclusões
A tendência da reconstituição paleontológica na última década tem sido a digitalização da arte. Nos últimos anos esse crescimento foi ainda mais significativo com o aperfeiçoamento de algumas ferramentas computacionais, que deram uma perspectiva inovadora à esse campo. Agora os dados paleontológicos podem ser inseridos com precisão nos programas de edição artística e esses por sua vez tornaram-se muito mais versáteis, detalhados e capazes de trabalhar com enorme quantidade de informação ao mesmo tempo.
Uma vantagem é que a reconstituição digital pode ser feita diretamente do fóssil e isso se deve a expansão das tecnologias de scanneamento e composição de imagens de estruturas tridimensionais (CAT Scan). Com imagens capturadas em CAT Scan, distorções nos fósseis dadas pelo processo de fossilização podem ser corrigidas. Além disso, essas imagens podem ser testadas em softwares de engenharia para determinar, por exemplo, pontos de estresse e tensão no esqueleto, dando subsídios fantásticos e muito mais robustos para os estudos de biomecânica na reconstrução da postura, locomoção e outros comportamento de animais extintos.
Outras vantagens envolvem a possibilidade de manipulação tridimensional dos objetos e a inserção de movimento. Essa interatividade não é só útil e didática, mas cativa facilmente o público. A partir daí, basta um pulo para as reconstruções fabulosas audiovisuais, como as de documentários, séries e filmes, que com o passar dos anos só tem acrescido exponecialmente a sua qualidade.
Apesar de todo potencial da arte digital, as recontruções tradicionais nunca irão desaparecer. O desenho, a pintura e a escultura são valorizados por todo seu aspecto artesanal, além de serem modalidades de artes ainda mais acessíveis. A ilustração paleontológica, por exemplo - que entendemos pela representação gráfica por meio do desenho de materiais fósseis com o objetivo de ilustrar as publicações científicas -, mesmo com o advento da fotografia não caiu em desuso. Ela era a única forma de ilustrar os materiais em descrições de artigos antigos, mas hoje ainda é popular. Ela é utilizada inclusive em associação a fotografias. A ilustração paleontológica captura alguns aspectros às vezes difíceis de serem percebidos em retratos e da mesma forma isso acontece entre as artes tradicionais e a arte digital.
Ilustração Paleontológica - a arte precisa de traduzir os detalhes do fóssil. Ilustração de Aline Ghilardi
Por sua vez, essas observações só serão transmitidas de forma bem sucedida se a linguagem artística for bem dominada.
De qualquer forma, o que é importante destacar aqui é que não interessa a forma de expressão. Se a arte aplicada a ciência continua cumprindo seu objetivo de auxiliar a pesquisa e disseminar conhecimento, então: missão cumprida.
Exemplos de arte digital: Trabalhos de Rodolfo Nogueira
Paleoartistas consagrados no Brasil - visitem os Portifolios: Felipe Elias, Maurílio de Oliveira, Orlando Grillo, Pepi (Deverson Silva)
Mais paleoartistas sulamericanos!
Visitem: Brazilian Paleoart
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